sábado, 30 de outubro de 2010

Memórias...

De olhos fechados, seu Venceslau, sentia o vento tocar sua face, e adorava aqueles momentos, por se sentir criança e lembrar de Chocolate, seu amigo peludo, que lhe ensinou a arte de desfrutar a brisa suave da primavera.


Poucos minutos depois, abriu os olhos e percebeu que estava na entrada da rua Abacaxi, que recebeu esse nome, por existir em quase todas as casas um pezinho da fruta. 

Seu Venceslau estava então com 82 anos, e foi necessária a ajuda da neta Lorena, para que conseguisse descer do carro e se equilibrar em cima do passeio. Parou em frente à casa 33, e sentiu um arrepio percorre-lhe o corpo como há muito não sentia. Olhou para Lorena, que acenou com a cabeça, incentivando a sua caminhada para o interior da casa. 

De mão dadas, passaram pelo portãozinho de metal enferrujado, e pisaram na grama já crescida, mas de um verde tão intenso que fez seu Venceslau perder o fôlego “o mesmo verde arrebatador de sempre”. A porta, encardida pela poeira do tempo, e comida por cupins na parte de baixo, ainda preservava a beleza de outros tempos. O azul da casa descascava piedosamente, mas ainda assim, apresentava um vestígio de imponência que só as crianças sentem diante de um sobradinho. 

Lorena empurrou com certa dificuldade a velha porta da frente e deu passagem ao seu avô. Seu Venceslau sentiu um cheiro inebriante de café recém preparado. Era fim de tarde e sua mãe cozinhava um aipim para a janta de logo mais. Quando o viu, ela sorriu em retribuição. O coração de seu Venceslau se alegou e ele continuou percorrendo a casa, foi ao seu quarto e reconheceu seu antigo baú, cheio de brinquedo, a maioria deles feito pelo pai que era um famoso marceneiro da região.

Com certa dificuldade, alcançou a cozinha e viu um enorme bolo de chocolate, pronto para ser degustado. Olhou para a porta aberta da cozinha e caminhou lentamente em sua direção, e vislumbrou, em um dos cantos do enorme quintal, uma casinha de madeira construída sobre uma árvore baixinha - outra obra do pai.
Parou em frente à casa. Não podia mais entrar. Não mais que de repente, se deu conta que pouco restava dela. Então, tudo o que era brilhante e laranja graças ao por do sol, já não era nada senão cinzas.

 A noite chegara e com ela o sobradinho abandonado, a casa da árvore destruída e o medo. Medo de morrer a qualquer momento; medo de não poder contar toda a história daquela vida na rua abacaxi para a sua neta, medo de ficar tão esquecido e abandonado quanto o seu lar de infância. Então ele chorou, seu Venceslau chorou como nunca tivera feito em sua vida, seus lamentos eram dilacerantes. Porém antes de sair levado por Lorena, que o abraçou como se carregasse um bebê nas costas, seu Venceslau olhou pela última vez à sua casa, à rua do abacaxi e à vida. Sua mãe, sorrindo, acenava docemente para o seu menino, o pequeno Lalo.

Por Milazul Marinho

2 comentários:

  1. Saudosismo,quem nunca sentiu?
    Gostei do texto Milazul!

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  2. eu acho que o que esse senhor tava sentindo foi mais ou menos o que Rose, de Titanic, sentiu.

    enfim... adorei milazul!!

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