sábado, 23 de outubro de 2010

Água e Maçã

Não havia o que dizer. A cena era simplesmente destoante, algo ali não batia, portanto não devia ser real. Aquela casa, aquele lar todo decorado para o aniversário do querido caçula, em vez de dar lugar a crianças estava tomada por policiais que investigavam uma morte. E o garotinho morto era justo o aniversariante.

Me perdoem, pois sei que é um caso dolorido demais para que mereça ser contado, mas os fatos são além de tudo apenas fatos. A mãe do menino se debulhava em lágrimas em frente ao corpo da criança. O aniversariante tinha morrido afogado numa tina de madeira.

Mãe - Essa tina era da brincadeira do pesca-maçã, as crianças tinham que se debruçar sobre a tina com os braços para trás e tentar pescar as maçãs que estavam boiando na tina com água usando apenas a boca. Mas eu não tinha deixado ele jogar justamente por ele ser muito pequeno.
Inspetor - Eu entendo, senhora. Ele deve ter aproveitado um momento de distração de vocês para entrar aqui, aí se apoiou em algo para alcançar a borda da tina, mas perdeu o equilíbrio e ficou pendurado. A tina tinha muita água...

O investigador interrompeu a explicação, obviamente havia passado dos limites. Um policial lhe perguntou em voz baixa:

Policial - Então, o senhor acha que alguém matou o guri?
Inspetor - Não, tudo não passou de um terrível acidente.

------------ Parte 1

Ela odiava com todas suas forças aquele dia. Aquele guri pentelho fazia seis anos e há seis anos sua dor tinha começado, porque desde o primeiro choro dele, ela foi preterida. Todo mundo esqueceu dela, aquele bebê cagão é que era o queridinho da família. Ele era sempre o fofinho, ganhava presente até no aniversário dela e ninguém colocava ele de castigo quando ele fazia algo errado.

E lá estava ele, fazendo seis anos, numa festa de aniversário tão grande como ela jamais teria sonhado em ter. Ganhou muitos presentes, muito mais do que ela tinha ganhado em todos os seus aniversários. Era muita injustiça.

Ele nem ia para a escola, e tirava notas escabrosas. Enquanto que ela estava sempre com notas acima de nove no boletim. Seus pais não estavam nem aí para os problemas que passava, estava engordando, o Paulinho nem falava com ela direito, e aquele bendito irmão mais novo vivia bagunçando seu quarto. Queria justiça, queria vingança.

----------- Parte 2

As listras do chapéu de papel eram verdes e azuis. Os balões de ar em várias cores, tudo colorido. Finalmente tinha uma festinha de aniversário do jeitinho que ele queria. Vários jogos e brincadeiras, todos seus amigos da escola e do inglês, comida a vontade. Tava tudo ali, não faltava nada.

Brincou e correu a festa inteira, ganhou vários presentes, inclusive o robô laranja do desenho da TV. Mas só faltava uma coisinha para ele ficar completamente feliz: brincar de pesca-maçã, o único jogo que sua mãe não tinha lhe deixado jogar. Então aproveitou o fim da festa e a distração de seus pais com os convidados para ir até a tina. Era muito alta, e ele no alto dos seus seis anos não alcançava a borda dela. Enquanto fazia todo o esforço na ponta dos pés sua irmã entrou na sala.

Menina - Ainda tem maçãs na tina, quer brincar?
Menino - Sim, mas tá muito alto.
Menina - Eu te carrego.
Menino - Tá bom. Você não vai contar para a mamãe, vai?
Menina - Não. É claro que não.

Por Malu Cima

4 comentários:

  1. malu...por favor me prometa que se vc tem um irmão ou irmã de seis anos vc nao vai mata-lo(a)!!

    ademais, se o seu texto foi uma mera ilustração de sua sagacidade...muito bem, vc me fez ficar com raiva do gurizinho

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  2. Halloween chegando...

    Por acaso vc nunca teve um irmãozinho qdo era pequena não né? kkkkkkkk

    Grande conto!

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  3. Malu... Vc tem irmãos? Espero que não!
    Conto (como diz meu brother Dam....) SAGAZ!
    Parabéns!

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  4. descobri agora esse blog... muito bom o conto e o blog! De fuder...

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