segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Midas

Se tem algo que eu odeio é esse povo que vê flor em pedra. Planta de pedra é limo, aquela coisa inerte, que mais parece morta. É trepadeira, aquele ser asqueroso, grudado à pedra, chupando o chão, se alimentando da imundície e se tornando parte integrante da imundície.

 Explico. É que parece uma epidemia o olhar medíocre sobre o ser humano que elucubra sobre sua suposta beleza, seus supostos grandes atos. Se fala muito de calor humano, mas ninguém vê que ao se tocar um ser humano se sente o mesmo do que se sente ao tocar qualquer objeto: um frio cortante e metálico. Um silêncio apavorante. E se, aos tocarmos, tivermos a coragem de olhar nos olhos da criatura, mas tétrica se torna a imagem. Aqueles olhos amarelos brilhando de pavor.

Errar não é humano, o ser humano é que um erro, uma piada de mau gosto. Ora, não nascem flores nas pedras; arte, deus, liberdade, amor, política, compaixão, balelas! Só o que vejo sou eu, desamparado, cercado por esses amarelos.

Todas essas décadas vivendo minha vida. Trabalhando e produzindo. Colocando minhas mãos ao trabalho para produzir a minha paz, doando cada segundo e cada gota fria que sai de minha testa para comprar meu sossego, e o que ficou foram os pesadelos. Todas as noites mãos amarelas me roubam os filhos. Gigantescas picas de ouro matam minha mulher a pancadas no crânio, depois de estuprá-la violentamente. Eu, dentro de uma multidão de estátuas douradas tento andar sem me esbarrar em ninguém, mas um passo em falso e todas as pesadas figuras desabam em cima de mim e me esmagam. E mãos, mãos gélidas me tapam o nariz e a boca, me seguram duramente enquanto eu me debato até a morte.

Pesadelos. Esses dias eu tive mais um. Desses que, com o passar do tempo, você já não tem certeza de se você sonhou ou viveu. Eu estava deitado na cama pela manhã, e através da janela entravam os primeiros raios de sol do dia. A luz me tocava, mas eu me sentia frio. Tinha vontade de me espreguiçar, mas não conseguia. Meus olhos estavam voltados para o teto branco, que naquela ocasião estava tingido com um reflexo dourado.

Por Cassandra

3 comentários:

  1. eu me encolhi no canto da parede achando que poderia cair se nao tivesse algo em que me apoiar..

    fantástico!

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  2. PQP, me senti sozinho... solitário e abandonado!
    Intenso o texto!
    Parabéns Cassandra!

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