sábado, 28 de agosto de 2010

Largo dos abutres

A chuva fina e o chão escorregadio obrigavam-na a locomover-se com cautela..Um comprido vestido surrado, um chalé encardido e uma bolsa levemente comida por traças compunham o visual andrajoso da mulher. Seus cabelos grisalhos mostravam-se desgrenhados e por muitos dias a lavar.
Depois de muito caminhar, cansada e visivelmente debilitada, a pobre senhora recostara-se na enorme cruz que ficava a 10 metros da entrada da pequena igreja.O miúdo largo em que se encontrava no momento, abrigava além da igreja, uma mercearia, um bar, um açougue e uma farmácia velha. Nesse momento, estava completamente deserta. Provavelmente por causa da hora em que esta cena se desenvolvia: 6 da manha. Sem poder agüentar mais, a mulher escorrega, praticamente em câmera lenta, apoiada na cruz, tosse desesperadamente deixando cair de sua boca um denso coágulo de sangue, e cai morta.

O primeiro transeunte, um estudante, andava despercebido quando viu aquele pequeno e flácido corpo estirado no chão. Se assustara de tal forma que desapareceu do largo em segundo, de tanto que correra. Poucos minutos depois o mercadinho abriu as suas portas e o seu dono também se assustou e fora correndo chamar o farmacêutico que só pôde comprovar o falecimento da mulher. O garoto, assustado, voltara agora com a mãe e um grupo de beatas, que horrorizadas, foram correndo chamar o padre para que ele abençoasse aquela pobre alma que nem direito a um fim decente tivera. De boca em boca o assunto da morte tomava conta do bairro. Os curiosos vinham aos montes presenciar bestificados aquela cena. Especulavam sobre o passado, a história e os motivos da morte dessa pessoa desconhecida. Incapazes de tocar no corpo ou até mesmo de qualquer providencia, só lembraram da policia por volta das 9 horas da manhã. Esta aparecera 57 minutos depois; curiosamente acompanhada por jornalistas de uma emissora televisiva, que por sua vez faziam diversas perguntas indiscretas aos moradores da região. 

A mais pura verdade é que eles nada sabiam a respeito da moribunda, mas a oportunidade de estar na televisão é única e alguns excediam o limite da simplesmente lamentação da desgraça, inventando identidade de amigos, vizinhos e parentes da pobre desgraçada. 

Às 11 horas o corpo ainda se encontrava lá e o bar estava aberto vivendo um momento de muita animação: Naquele dia o lucro estava sendo excelente!Alguns freqüentadores do estabelecimento, e também moradores, serviam de porta voz da miséria alheia, inteirando os novos curiosos, anunciando com pouco caso e um copo de cerveja na mão a morte daquela senhora desconhecida.

Os médicos legistas, afirmaram logo de cara que o caso se tratava de uma forte tuberculose, devido as precárias condições de vida da mulher claramente visível na aparência da desconhecida. Sem muito mais para explicar, carregaram o corpo e o levaram embora. A massa de curiosos foi sendo dissipada aos poucos e a rotina da praça e dos estabelecimentos que a circundava, voltavam a suas atividades normais, como se nada tivesse acontecido, todos tomavam o rumo original de suas vidas. Passado alguns minutos a chuva engrossou eliminando o coágulo de sangue. Último vestígio da passagem da desconhecida pelo largo.

Por Milazul Marinho

4 comentários:

  1. Bem Luciano usou a classificação do omelete e eu vou usar a de Barney Stinson: "AWESOME!!!!" ou melhor "LEGENDARY!!!"
    Mila, Sensacional!!!
    Me lembrou a indiginação de "um cara" aí que viu um "bixo" catando algo no lixo...

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  2. Adorei! E em outras situações é exatamenete assim que as pessoas reagem... Infelizmente...

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  3. o que eu poderia dizer é mais ou menos o que eu já te disse, então é melhor ficar na abstração...
    o.O

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