quarta-feira, 30 de março de 2011

Machina

A fábrica. E dentro? Gente. Fazendo o quê? Trabalhando. Freneticamente. Uns com força física, outros consertando engrenagens, alguns trabalhando na alimentação dos trabalhadores. Havia os administradores. Ao todo, duas milhões, trezentos e sessenta e quatro mil, oitocentas duas pessoas na fábrica. Ao todo, três mil cento e sete funções.


O barulho. A fumaça. O calor. Os cargos mais altos tinham direito a refrigeração. Mas não a tapa-ouvidos. E todos, absolutamente todos respiravam o ar esfumaçado de dentro do gigantesco cubículo fechado. O desconforto. O ódio. O perigo.

Viviam lá. Nem sabiam da existência do "fora". E a caverna de platão. Que era pra eles só uma metáfora bonitinha. Oito horas de descanso, oito horas de trabalho, vinte e quatro horas de sufoco. Morriam estafados e passavam tudo. Funções. Desejos. Dores. Horrores. Para os filhos.

A máquina? Gigante. Inimaginável. Enorme. Imensa. Tomava todo o espaço, não dava pra se mexer sem tocá-la. Pessoas dormiam em motores. Almoçavam em fornalhas. Trepavam em ventoinhas. Gangorravam em alavancas. Moravam em parafusos. Estudavam em engrenagens. Dançavam em botões. Se exercitavam em braços mecânicos. Gargarejavam óleo diesel. Sonhavam com telas. Suspiravam por suspensões. Morriam em rodas dentadas. Eram enterradas em caixas de marcha.

E se seguíssemos as mãos de cada trabalhador. Acompanhássemos o fluxo. Seguíssemos as etapas de produção. Deslizássemos nas esteiras. Penetrássemos as engrenagens. Acompanhássemos a transformação da matéria prima. Chegássemos à saída, o grande ânus da máquina. O que se via? Papel. A maior, mais potente e veloz impressora que existe no mundo despejava três milhões e quatrocentas mil páginas impressas por segundo. Elas eram jogadas alucinadamente num depósito do tamanho da Guiana Francesa. Impresso nelas, um código desconhecido que nenhum ser humano poderia ler ou entender.

por Cassandra

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