quarta-feira, 24 de agosto de 2011

DUAS VIDAS DE CADA VEZ

Lembro que eu só passava por aquele ponto específico, naquela hora específica para vê-los. Tamanha sensação de sinceridade e conexão não consegui ver em todos os anos que vivi caminhando por este mundo.



Durante semanas, meses, talvez até anos caminhei por aquela estradinha de pedra na esperança de que minha alma seria alimentada pela energia que aqueles corpos e espíritos emanavam, em perfeita sincronia com o universo e entre si. Ainda vejo com os olhos de hoje a primeira vez que os avistei: o rapaz, de estatura mediana e com semblante tranquilo e até inofensivo, em pé e com algum livro que tinha em mãos lia algo pra ela - infelizmente, à distancia que estava não consegui identificar o livro. Durante a leitura ele tentava usar algum tipo de linguagem corporal que não consegui compreender e que pela expressão da garota deu pra perceber que ela se esforçava pra entender. Eu poderia até dizer, se fossem um casal comum, que ele estaria a tentar impressiona-la, mas não era somente isso, e eu e qualquer um que talvez tivesse a percepção que tenho saberia. Foi como se com um amor que ele já tinha por um hábito, a tentasse convencer de um amor que ainda estava pra nascer.

Em determinado momento, no final da leitura, o rapaz fechou o livro, ajeitou os óculos, sorriu um sorriso brincalhão e sentou ao lado dela. Ao que se olhavam, os cabelos encaracolados dela, por força do vento, e provavelmente do destino, ficou preso na barba a fazer do rapaz. Ela tentou segurar o riso, ajeitou seu cabelo por trás da orelha e após, apenas pegou o livro, passando seus dedos sobre a capa, e agradeceu com um sorriso.

Se tivesse que descrever o que senti naquele momento teria que, irremediavelmente, ficar calado pra não correr o risco de utilizar alguma palavra que não expressasse aquele momento.

Dois dias depois tive a necessidade de passar mais uma vez por aquele caminho que não era usual para mim, um pouco mais tarde, é verdade, e tudo que consegui ver foi algo que eu não tinha visto dois dias atrás. Levantando-se do banco velho em que estavam sentados, ela suave e discretamente com seus dedos, com a insegurança de uma busca por algo que ainda não tinha encontrado e com a certeza de algo que queria viver, tocou os dedos do rapaz e suas mãos e falanges entrelaçaram-se numa dança cósmica. Estranhamente, mesmo com a pressa que estava parei e os vi se afastarem.

Após este dia e durante algum período não mais os vi. Apesar da minha idade, sempre tive problemas sérios de saúde e por orientação médica tive que ficar num leito durante semanas. Hospital para mim era mais uma prisão do que qualquer coisa. No inicio da minha internação estava muito debilitado e por falta de força física mal conseguia levantar-me. Visitas, flores, remédios e médicos, tudo para tentar me deixar confortável e saudável quando tudo que eu queria e precisava era ter contato com o verde da natureza.

Na terceira semana eu já podia, felizmente, caminhar pelos corredores do hospital. Dos detalhes desta passagem pelo hospital não me recordo bem, apenas do cheiro e das crianças brincando enquanto alguém de sua família estava perto da morte.

Num desse meus passeios pelo hospital conheci uma enfermeira com nome em tupi. Boa pessoa. Na verdade era ela quem estava responsável por mim enquanto eu estive dentro ou fora do quarto. Em uma de nossas conversas ela tentou me convencer a provar a muqueca de peixe de sua avó. Eu, por simpatia disse que iria. Mas não gostava de muquecas e afins, portanto...

Neste mesmo dia, no final da manha, em um momento de distração da enfermeira e dos funcionários do hospital conseguir achar uma brecha e sair daquele ambiente tão hostil. Meus passos estavam lentos mas ainda assim consegui dar um jeito e depois de mais de três semanas estava novamente respirando ar "puro". Sai caminhando lentamente entre buzinas e pessoas apressadas como se aquele dia já estivesse no fim e meus passos me guiaram ao lugar que durante semanas não saia da minha mente.

Em minha cabeça tudo seria como foi: eu caminharia, pararia, daria profundo suspiro e então sentaria. E viveria. É verdade que eu teria que esperar um pouco se quisesse encontra-los. Poderia até não ter certeza se apareceriam ou mesmo se estariam juntos ou vivos, mas o que mais um doente deste mundo poderia querer como remédio do que aquela mesma sensação que teve aqueles dois dias em que os viu. Durante horas permaneci sentado até que o sol baixou e a noite sem lua e estrelas tomou conta do céu e da minha mente.

Por Lima Limão

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