Conto do Prefeito

- Após oito anos de mandato, posso dizer: caguei no pau na gestão dessa cidade.

Todos na sala puseram-se a gargalhar imediatamente, menos João, que começara o telefone sem fio.

Até mesmo o Neto de Antônio, responsável por proferir as palavras finais, mal conseguia fazê-lo de tanto que ria.

- Vocês são uns escrotos do caralho! Eu não disse isso – bradou furioso João.

E não disse mesmo. Apesar de toda a fanfarronice que lhe é característica, a autocrítica de Joãozinho – como é chamado carinhosamente pelos colegas – é desregulada.

Após o acesso de raiva, conteve-se e tentou descobrir o autor da gracinha. Em vão.

Fato é que antes de chegar ao Neto de Antônio, a frase passou por Mário, que ouvira de Hamilton o seguinte:

- Após oito anos de mandato, vou te dizer: afundei de vez essa cidade.

De Hamilton, Nelson se aproximou com um sorriso faceiro no rosto e sem qualquer crença religiosa emendou:

- Após oito anos de trabalho, vou te dizer: ninguém salva essa cidade.

Rogério antecedeu Nelson. Provocador que é, não resistiu à tentação profana de ridicularizar o colega João, a quem um dia deu valiosos conselhos. Pelo menos é o que espalha aos quatro ventos.

- Após oito anos de trabalho, vou te dizer: não há Deus que salve essa cidade.

Márcio ficaria espantado se ouvisse a apropriação feita pelo seu sucessor.

- Que heresia! – teria dito, religioso que é.

Só não é santo. Primeiro dos seis a ouvir a frase, sacralizou a alfinetada o quanto pôde.

- Após oito anos de trabalho, vou te dizer: só Deus salva essa cidade – sussurrou no ouvido de Rogério.

Passada a histeria coletiva e também a graça da piada, João continuava a fitar um por um, numa vã tentativa de desmascarar o culpado.

- Após oito anos de trabalho, vou te dizer: voltarei à Disney para ver o Mickey Mouse.

Foi essa a frase que iniciara o telefone sem fio.

Por Jacinto Braúlio